sexta-feira, julho 27, 2007

pedem à palavra


Imagem da mgbon


pedem à palavra
que semeie harmonia
canções
novelos de adubo
em campos fatigados.

pedem à palavra
que socorra
o choro
dos inocentes
nomeie a patente
dos vencedores.
que a palavra
honre
os poetas e as pomposas musas
os políticos e os demagogos
os funcionários e os burocratas
mendigos e feiticeiros.
pedem tanto à palavra.
que a palavra
emigra
foge dos palanques
esgueira-se
pelos canaviais.
deserta.
exausta e presa
na infindável
rede de significados

a palavra apenas pede
que a salves
que lhe dês o teu cheiro
a tua boca
que lhe mates a sede
com a água dos teus olhos.
que a acordes
no mais escuro dos silêncios
na hora mais bravia

pedem à palavra
arremedos
milagres
truques de magia
versos para a fanfarra e para os noivos
rimas de finalistas.

e a palavra
sente
que só encontra significado
lida em ti.
escrita no teu corpo.
palavra que te chama
quando te ausentas.
palavra que te grita
quando o sono
te vence.
palavra que te beija
acaricia, excita
na clandestina leitura
de todos os dias.

(Poema de
Alberto Serra in noites-de-lua-branca)

terça-feira, julho 24, 2007

Perto de Ti


Foto da autora



Estou aqui perto de ti
Embora não me oiças

Regressei do silêncio
Do qual um dia parti

Não sentes o assobio
Do vento na esquina?

O outro lado da vida
Que tua vida não viu


(Poema de Eduardo Graça in Caderno de Poesia )

terça-feira, julho 17, 2007

Paráfrase sobre a "Canção das Canções"


Pintura de Gianni Strino



Desce a noite. Despedi-me dos pastores.
Inebriado pelo perfume do mosto olho para a minha amada.
Surge-me como a aurora, bela como a lua, brilhante como o sol.
Desperta no leito de cedro coberta de penas de pomba.
A mais bela de todas as mulheres extasia-se ao ver-me.
E pelo seu corpo verdejante como floresta perfumada
Pastam rebanhos de gazelas, corços, veados saltaricando na sombra dos seus cabelos.
A sua voz doce de favos, reclama-me e extasia-me.
- Leva-me contigo, meu amado. Ou deita-te a meu lado e canta-me amores.
Sou morena. Sou formosa. Sou tua. Ponho no meu pescoço
O colar de pérolas que exala o perfume do nosso vinho.
Repousa a tua cabeça nos meus seios, no meu ventre de lírios,
Na doçura da minha boca de frutos silvestres,
Quero desfalecer de amor nos teus braços fortes. Conforta-me.
Como és encantador e belo, meu amor. Vamos para o festim da floresta
Que já entoa a chegada da Primavera.
E introduz-me uvas passas na minha boca que espera a tua.
Saboreia a minha saliva e ouve a minha voz que te segreda palavras de conforto
Porque esta noite procurei-te e não te encontrei. Desejo ser tua
Como na primeira vez quando nos encontrámos nos outeiros.
Quero conceber dum amor frenético, penetrante, quente, aromático.
Oh! Meu amado amigo e esposo. Os ninhos já estão prontos.
Escolhamos o nosso.
E faz-me ouvir a tua voz desfalecida quando me abraças e me possuis.
Como são deliciosos os teus afagos, as tuas carícias,
Os beijos com que cobres o meu corpo inteiro. O aroma que vem de ti
Excede o de todos os aromas.
Desfaleço de amor. Os teus lábios são lírios, que destilam a mirra mais preciosa.
Bebe do nosso vinho perfumado, sacia a tua sede de desejo e toma-me.
Leva-me.
Desfaleço de amor mas não tenhamos pressa.
Quando regressarem os pastores
Estamos escondidos na ilha dos amores.

(Poema de
Luís Pinto in Porosidade Etérea)

domingo, julho 15, 2007

Resposta do amigo


Imagem de Pages of Iink


as minhas velas
não ardem até ao fim:

apago-as sadicamente
sufocando-as do ar
com que me consomem
ou esmago o caule da chama
no poço líquido da cera quente

(nas intermitências da luz
e da morte
escondem-se os fantasmas
que abrigo debaixo da cama)

apagadas
deixam-se ficar na memória
acesas e coradas
como uma memória

nunca acendo as velas que apaguei:
extintas não me queimariam

(Poema da
Inominável)

quinta-feira, julho 12, 2007

Em tuas águas...


Pintura de Diji Scales


Em tuas águas navego
Em ti
resumo o périplo
da minha volta ao mundo.
Fora de ti,
não há saída ou rumo
É em ti
que me salvo
... ou que me afundo.
Propício Ancoradouro
amena Enseada
em ti fundeei minha jangada
em tuas águas balouça
o meu escaler.
Fora do teu Mar
eu não sou nada
sou peixe
que estrebucha na areia calcinada
da praia
... até morrer
Em ti criei raiz
Em ti habito
Em ti me reconheço
Em ti palpito
Em ti eu esmoreço
Em ti resisto
Em ti eu caio
Em ti eu me levanto
Em ti eu choro e rio
Em ti eu desisto e recomeço
Em ti eu vivo
... Em ti pereço.
É de ti
que me nutro.
Em ti mergulho
Tu és Partida e Meta
a Flecha e o Alvo.
Em ti se anula e esbate
o meu orgulho
É em ti que me perco
... ou que me salvo

(Poema de
António Melenas)



O meu especial agradecimento à
Sulista pela nova imagem (de Verão) do Profile deste Blogue…

terça-feira, julho 10, 2007

ADEUS, SOPHIA

Passaram três anos sobre a morte de Sophia de Mello Breyner Andresen, ocorrida em 2 de Julho de 2004. Que melhor homenagem do que partilhar aqui, um poema de uma sua admiradora…

Imagem daqui


Por fim, Sophia
desatados os laços
vencidos os limites
estende-te o mar o seu tapete de ondas
como quem estende os braços
Respondes ao convite?

Guardou, só para ti
na tua metade maresia
prodígios, espantos, maravilhas
estranhos como Giocondas…
Esperam-te as ilhas
que sonhaste
E esses corcéis que nunca cavalgaste
sacodem já as crinas
em desafio

Segue o teu fio
de praias extasiadas
de manhãs cristalinas
até que se te acabem as areias
e te venham buscar
breves, aladas
as vagas por que anseias

Vai, ruma ao Norte
desprende-te do Sul
que a tua sorte
não é daqui, é de outro azul

Vai, habitar para sempre o Mar da Poesia

Adeus, Sophia.

(Poema de
AV in Porta do Vento)

domingo, julho 08, 2007

É sempre em Julho






Foi em Julho, que bandos e bandos de gaivotas,
planaram sobre o olhar de tua mãe,
para que ao nascer, herdasses a secreta
violência das marés.
Agora, é sempre em Julho que, dos teus olhos,
se avista um oceano inteiro,
enquanto um navio te cresce, perfeito,
sobre os lábios, soletrando íntimas paragens.

(Poema de
Graça Pires in Ortografia do Olhar)

quarta-feira, julho 04, 2007

Uma sede de rosas...


Imagem de Ivan Kustura


uma sede de rosas.
uma sede tantálica, silenciosa,
como uma brasa ardente queimando.
incendiando as memórias, constante.
como uma inflorescência de cactos abrindo a noite.
cingida de espinhos, o silêncio perfurando.
e a carne.
em labaredas algemada, arfante, felina.
agrilhoada, salina de sangue, vibrante.

na ausência de uma frescura de rosas,
sinal algum pulsa a meu favor.
nem a fresca brisa que afaga os cactos mansos.

a única luz que fulgura e subsiste
é a do fanal do fragoso rochedo
que esquadria as brumas e os mares de escolhos
da minha noite negra povoada de medos:
- a saudade dos teus olhos.

[quem diz que a larga ausência causa olvido,
ignora que a saudade tem memória]


(Poema de
Zénite in Castelos de Vento)

domingo, julho 01, 2007

Mais leves que o destino

Imagem de Lissa Hatcher



Regressámos a pé no sossego da água
mas deixámos na praia um rasto cúmplice
de vento longínquo
alguns sinais de algas
recados e um desejo de repartir sementes

Talvez por isso cheirem a maresia
os poros deste chão
e os nossos lábios soltem pássaros generosos

Talvez por isso tivéssemos regressado
pelas dunas inconsistentes
e finalmente nos descobríssemos
nus e criadores
a voar num império de areias

Hoje quase compreendemos
porque são as aves mais leves
que o seu destino

(Poema de
Eufrázio Filipe in Mar Arável)